A Naturalização do Machismo.

Para a psicologia, mais precisamente para a psicologia experimental, a linguagem tem uma importância especial, por ser parte da enorme contribuição da cultura para aquilo que chamamos de consciência ou ‘estado consciente’. Para Wilhelm Wundt, mais conhecido como o ‘pai da psicologia experimental’, o desenvolvimento psicológico de uma pessoa é determinado não apenas por sensações, mas também por complexas influências sociais e culturais, sendo que estas não podem ser replicadas ou controladas em experimentos científicos de laboratório. Wundt incluiu a religião, a linguagem, a mitologia, a história, as artes, as leis e os costumes naquilo que ele chamou de ‘influências’, ao discursar sobre as mesmas em sua enciclopédia de 10 volumes, chamada de “Psicologia Cultural”, escrita nos últimos 20 anos de sua vida. Aqui, falarei especificamente da forma como a linguagem é utilizada de maneira a propagar (pré)conceitos machistas e, consequentemente, contribuir para a naturalização do machismo em algumas sociedades.

Linguagem, por definição, é a capacidade que possuímos de expressar os nossos pensamentos, ideias, opiniões e sentimentos. Os seres humanos são capazes de utilizar diversos tipos de linguagens para estabelecer atos comunicativos, tais como: sinais, símbolos, sons, gestos e regras com sinais convencionais. Em um sentido mais genérico, a Linguagem pode ser classificada como qualquer sistema de sinais que os indivíduos utilizam para comunicarem-se entre si, podendo essa Linguagem ser verbal ou não-verbal.

Recentemente foi anunciada a gravidez da cantora Janet Jackson. No texto da matéria jornalistica de um dos principais jornais brasileiros, a frase que mais me chamou a atenção diz: “A estrela pop americana Janet Jackson confirmou que está grávida de seu primeiro filho aos 50 anos, e mostrou sua barriga para provar.” E não, não foi o fato de ela ter 50 anos que me chamou a atenção, e muito menos o fato de ela ter mostrado a barriga para provar que está esperando uma criança. O que mais me chamou a atenção foi o fato de a reportagem presumir que Janet está grávida do seu PRIMEIRO FILHO, assim, no masculino, e de isso AINDA ser encarado com naturalidade por toda a sociedade. Sim, pois não é apenas no caso de Janet que isso acontece. Todas as vezes que há notícia de gravidez, a frase “está grávida de seu primeiro filho” acaba saindo da boca de alguém e com bastante naturalidade, tanto para quem fala quanto para quem ouve. Eis aqui um típico caso no qual a linguagem verbal é utilizada para naturalizar o machismo. Como? Dando mais importância ao fato de a mulher gerar um filho HOMEM do que uma MULHER e sem sequer considerar a questão de gênero. É simples assim.

Outro ponto importante é sobre a urgência em saber o sexo da criança. Qual é o real motivo por trás disso? Não seria apenas para saber como decorar o quartinho do bebê e, consequentemente, garantir que o enxoval venha na cor certa? Rosa para a menina, azul para o menino e, assim, naturalizamos o machismo, através da utilização da linguagem não verbal, e colocamos cada qual no seu devido lugar. Afinal de contas, uma criança está sendo gerada e, normalmente, os pais deixam claro que não importa se é menino ou menina, contanto que venha ao mundo com saúde. Então, eu repito, aqui, a questão anterior: qual é a real importância de saber o sexo do bebê? Não seria para começar a educar o menino a ser MENINO e a menina a ser MENINA, dentro dos moldes sociais patriarcais pré-determinados? Pense nisso!

Não, essa não é uma problematização vazia. Muito pelo contrário, é um convite ao questionamento. Pois, de acordo com o que tenho estudado e observado, compreendo que para acabarmos com o machismo institucional é preciso questionar, repensar e quebrar os moldes patriarcais (pré)estabelecidos. Enquanto aceitarmos pacificamente que a religião, a cultura, as artes, a linguagem e etc continuem influenciando as nossas consciências a reproduzir o machismo, sem questionar ou buscar soluções para reeducar as futuras gerações a não reproduzirem os mesmos discursos e pensamentos, estaremos fadados a um ciclo vicioso, no qual o patriarcado sempre vence, sob a desculpa de que o termo ‘homem’, e tudo o que é relativo ao masculino, representa todo um coletivo de pessoas, cujos gêneros não estão demarcados pelo sexo biológico com o qual nasceram.